Desabafos de uma jornalista, aspirante a atriz, shiatsuterapeuta e professora de yoga...

segunda-feira, junho 19, 2006

Catarse de Teatro Màgico

Há pouco tempo fiquei encantada com um CD na casa da minha prima, nunca tinha ouvido falar, mas parecia bom demais para ser verdade. Versos como "os olhos mentem dia e noite a dor da gente (..) Enquanto houver você do outro lado/ Aqui do outro eu consigo me orientar/ A cena repete a cena se inverte/ enchendo a minha alma d'aquilo que outrora eu deixei de acreditar (...) tua ausência fazendo silêncio em todo lugar/ e o fim é belo incerto /depende de como você vê/ o novo, o credo, a fé que você deposita em você e só/ Só enquanto eu respirar/ Vou me lembrar de você" me deixaram com esperança na música brasileira de novo.
Há dias ou semanas essa mesma prima - aparte para uma mineirice família é bom demais além da conta! Como viver com e sem ela?! - me chamou pro show deles no Sesc Santo André, mas estava tão preocupada com o freela e a falta de emprego à vista que só fui comprar no dia e dei uma sorte tremenda, pois a atendente do Sesc São Caetano abriu a tela das cadeiras, marcadas em vermelho, indicando ingressos esgotados e meu olhinho meia boca mas que na hora H não me deixa na mão encontrou um único assento bege, sinal de desistência! Foi a bênção artística da semana!
Show dessa modesta trupe do "Reino Mágico de OZasco" é entrar no clima já antes, com os fãs seguidores fiéis com camisetas e baby looks com as frases do vocalista Fernando Anitelli. Namorar com o palco é uma delícia à parte pra quem já fez teatro pois a cenografia remete à infância, tem um quê mágico que certos palhaços de mal com a vida nos fizeram temer.
Bem, ouvir a turminha, como indica um de seus sucessos é descobrir poesia até num clássico brazuca prosaico como arroz e feijão "Como arroz e feijão/é feita de grão em grão/ Nossa felicidade/ (...) Mas como entender que os dois/ Por serem feijão e arroz/ Se encontram só de passagem/ (...) que vontade de te ver/ O dia do prato chegou/ é quando eu encontro você/ Nem me lembro o que foi diferente!/ Mas assim como veio acabou e quando eu penso em você/ Choro café e você chora leite".
O figurino deles é outro espetáculo à parte, pra nos fazer reconciliar com qualquer trauma de infãncia devido a palhaço meia boca encontrado há anos. Vontade de usar todos no dia a dia, mas seria interditada - já que tenho que trabalhar fantasiada de executiva. As cores, texturas e variedade me fizeram sentir num ateliê da Vila Madá.
Sei que sou suspeita para falar pois adoro tudo que é alternativo, descolado e despojado, mas eles realmente reinventam a música combinando com poesia, teatro (aquelas paradinhas estratégicas brincando de estátua) e circo. Ana e o Mar tem cara de história contada pela mãe ao pé da cama: "Veio de manhã molhar os pés na primeira onda(...) se entregou ao vento/ O sol veio avisar/ que de noite ele seria a lua/ Pra poder iluminar/ Ana, o céu e o mar/ (...) Deitada diante do mar/ Que apaixonado entregava as ondas mais belas/ Tesouros de barcos e velas/ Que o tempo não deixou voltar/ Onde já se viu o mar apaixonado por uma menina?/ Quem já conseguiu dominar o amor?/ Por que é que o mar não se apaixona por uma lagoa?/ Porque a gente nunca sabe de quem vai gostar?/ Histórias que nos contam na cama/ Antes da gente dormir/Todo sopro que apaga uma chama/ Reacende o que for pra ficar/ Quando Ana entra n'água/ O sorriso do mar/ se estende pro resto do mundo".
Outra pérola é a homenagem displicente que Fernando fez para Jô (empregada? Vó?) que solta as pérolas que ganharam um ritmo divertido "vrido, zaluzejo, Olhar no espelho depois que almoça entorta a boca, Mulé com mulé é lésba e homi com homi é gay, Mas dizem que quem beija os dois é bixcional e Documento eu levo na proxeca porque é perigoso carregar na mão". O verso "Acredito que errado é aquele que fala correto e não vive o que diz" pode parecer uma ode ao acinte contra o português mas minha prima historiadora usa a música em salas de aula com alunos adultos com linguajar semelhante, que se emocionam com a identificação. Não é a toa que o TM já tem seguidores, fiéis como os da Marcha para Jesus. Uma salva de palmas para as rádios USP, Brasil 2000 e Eldorado que já tocaram os bons moços SEM JABÁ! Foi imperdível outra homenagem que Fernando faz na apresentação para os poetas da música brazuca, responsáveis por letras como "hoje é festa lá no meu apê". Tranquilizador saber que há juventude na platéia, sendo muito bem catequizada, obrigada. Até eu que adoro ser do contra saí de lá com uma blusinha estampando a máxima, transforma em funk pq o pessoal tb é bom de tirar sarro: "os opostos se distraem/ os dispostos se atraem". Como faz bem cantarolar e deixar o córtex cerebral impregnar com refrão bem feito!!