Desabafos de uma jornalista, aspirante a atriz, shiatsuterapeuta e professora de yoga...

terça-feira, novembro 15, 2005

Homemagem Retardatária à Sampa

Era ainda criança quando cheguei nesta cidade do tamanho de um mundo. Não sabia da missa a metade! Como lembro muito pouco do que vivi “no interior”, ainda que minha cidade natal fique a meia hora de São Paulo, é como se já tivesse nascido na metrópole e hoje não sei viver outra vida que não a cosmopolita, a frenética, desenfreada e sem limites desta capital.
Quase 30 anos vivendo nesta cidade me tornaram uma apaixonada incorrigível, desta que têm um autêntico amor de mulher de malandro. Sofro com trânsito e medo da violência, mas o que posso fazer se não sei viver fora daqui?
Acostumar-se a ter à disposição uma variedade infinita de restaurantes, teatros, cinemas, casas de shows e bares para todos os gostos e bolsos é como droga: vicia mesmo. Posso até não ter cacife hoje para curtir tudo o que a cidade me oferece, mas me conforta saber que um mundo de possibilidades me aguarda. É alimentar a esperança de que ralar todo dia, correr atrás, batalhar ainda me fará chegar lá. Na noitada e na vida.
Amar São Paulo é ter paixão pela diversidade. É ouvir a amiga gaúcha bairrista inveterada perguntar:
- Como tu te sentes numa cidade “invadida”?
E não entender a pergunta por não sentir que é uma cidade invadida. É acreditar que São Paulo é como coração de mãe: sempre cabe mais um, seja baiano, mineiro, gaúcho ou capixaba. É sentir que São Paulo é um mix do Brasil: com toda sua diversidade, mistura e ecletismo. É não conseguir sair daqui por nada neste mundo, nem mesmo ao ser chamada para realizar um sonho profissional que me mataria de saudades saindo desse corre-corre...
Amar São Paulo implica amar todas as raças, cores, credos, sabores, cheiros, paisagens, sons e texturas. É ter amigos italianos, japoneses, cearenses, catarinenses, mato-grossenses e aprender muito com cada um deles. E, de vez em quando, ensinar.
A paixão pela cidade é querer experimentar um pouco de tudo: o preto dos dias cinzentos, o branco do sol a pino, o verde dos parques, o amarelo das luzes acesas à noite, o vermelho do Masp e todas as cores que couberem neste coração sem fronteiras.
Paulistano inveterado é um curioso incorrigível: pode ter sua religião de coração, mas não deixa de sentir vontade de conhecer cada credo encontrado em cada esquina da cidade – inclusive aqueles que mexem com a gente sem que saibamos por quê.
Não saber viver noutra cidade é ter paixão pelo cheiro das árvores do parque do Trianon, é se revoltar com o odor dos rios poluídos, é salivar com o perfume de pão de queijo saindo do forno...
Paulistano da gema não teme o sabor novo e quer cair de boca nos pratos da culinária artesanal italiana, a saudável japonesa, a inconfundível nordestina, a saborosa mineira ou a farta gaúcha.
Viver aqui porque seu coração só te deu essa opção é enxergar a beleza no que não é óbvio. É ver o belo na arquitetura dos desenhos assimétricos da cidade. É amar poesia e visualizar paisagens bonitas ainda que fugazes, como uma árvore entrando na primavera e colorindo uma rua cinza, folhas no chão anunciando o outono ou sol de verão rasgando os vãos dos prédios. É achar que o reflexo do por do sol nos prédios espelhados da Berrini também tem seu charme. É visualizar o bonito além da natureza escancaradamente bela.
Paulistano típico se surpreende positivamente com o som de um pássaro que invade uma tarde cinza, se diverte com os vendedores ambulantes gritando no trem, acha engraçado a criatividade dos feirantes e conversa com alguém que nunca viu na fila de banco ou no ponto de ônibus sem estranhar.
Paulistano de coração se emociona com as estrelas que volta e meia rasgam o céu poluído, com o som dos músicos que deixam o metrô menos frio, com as obras de arte nos corredores de bancos e nas praças.
Quem nasceu aqui ou adotou esta cidade onde criou raízes que não pôde evitar, acredita que São Paulo é um pouco de todo o Brasil, com esta falta de identidade única, com esta cara de colcha de retalhos – uns baianos, uns mineiros, uns gaúchos, uns italianos, uns japoneses... E qualquer diversidade menor que essa, soa como bairrismo provinciano imperdoável. São Paulo é assim: um mundo em cada bairro, um mergulho rápido como um intervalo de metrô em cada cantinho do Brasil. São 450 anos de braços abertos: para todo o país e para o mundo.