Desabafos de uma jornalista, aspirante a atriz, shiatsuterapeuta e professora de yoga...

segunda-feira, maio 29, 2006

O Prodígio do Mundo Ocidental

Sempre brinco que tenho mais surpresas positivas com atores não globais do que com os famosos pela carreira de TV. Ontem comprovei isso e também minha teoria que o Sesc nunca põe peça sofrível em cartaz e sempre tem soluções cenográficas criativas. Tem melhor fim de domingo que esquecer da vida na platéia (acho que só estando no palco), bem longe da angustiante musiquinha do Fantástico? Nessas horas dá uma saudade e tanto das oficinas de teatro que me fizeram apaixonar pela encenação – pena que elas exijam mais tempo e dedicação do que o jornalismo me permite dar no momento e que já conheci a segunda paixão da minha vida quando a de infância – escrever - já me sustentava, mas isso são outros quinhentos, assunto para outro texto, com mais cara de desabafo que de resenha.

Pausa para uma aspas explicativa do meu surto “tenho que escrever sobre minha paixonite por peças e filmes”. Não é exagero classificar o jornalismo de província: todos se conhecem e como fofoqueiros profissionais, falam um do outro, como em cidade de interior. Para reforçar isso, somos divididos em bolhas: a dos assessores de imprensa, a dos que trabalham com comunicação interna em empresas que não tem a ver com jornalismo/ comunicação [ah, esses sortudos – suspiro] os que trabalham em rádio, em TV, jornal, revista, agência e site. Temos ainda as subdivisões das editorias: os que caíram de pára quedas em assuntos que nunca sonharam cobrir e ficaram para sempre marcados como profissionais de política, economia, esportes, tecnologia, internacional... Em TV temos ainda o racha entre os anônimos pauteiros/ produtores que ficam com o grosso da apuração e agendamento de entrevistas e os repórteres que pegam a coisa toda tão mastigada que na maior parte das vezes só engolem mesmo. Aliás, adoro reportagem de TV justamente por ter muito mais de cênico que de jornalístico. Em cultura há os que passam a vida escrevendo de teatro, de cinema, de gastronomia... Por essas e outras, só posso bancar a crítica aqui mesmo. Familiares e amigos íntimos nas áreas de interesse são decisivos para chegar ao que se sonha – mas como diria o Osho, o que se imaginamos é sempre melhor em nossa viagens do que quando acontece de fato... Fecha aspas e vamos ao que interessa.

Como se não bastasse o Sesc sempre dar espaço para boas histórias, os preços são sempre camaradas – na medida dos salários minguados de quem sonhou cobrir uma guerra (já até pedi para familiares suspenderem a reza anti correspondente de conflito do gênero nas fases mais idealistas)... E a cenografia nunca deixa a desejar, é sempre um capítulo à parte no encantamento inicial, faz parte de entrar no clima e se envolver antes da história começar, enquanto ainda nos sentamos e aguardamos as surpresas boas que envolvem todo esse universo. O Prodígio do Mundo Ocidental foi encenada no quintal do Sesc Ipiranga, onde já vi cantores sofrerem da falta de acústica, mas tiveram uma idéia e tanto: envolveram com plásticos uma área coberta onde geralmente se fazem shows, aulas abertas e barracas de festa junina. Era gostoso ouvir os personagens e vê-los chegando antes de entrarem no “palco” improvisado. A “lareira” ajudou a esquecer o frio e acreditar que aquilo era mesmo um boteco de quinta lá no cinturão do whisky. Aliás não me lembro de ter visto nada de autor irlandês – a montagem com sotaque caipira nos fazia sentir num rincão do interior de São Paulo ou Minas. Bacana aproximar universos diferentes e encontrar semelhanças neles.

A história é de se fazer pensar: um mentiroso é elevado à categoria de herói por seu crime – provável alusão ao quanto damos valor ao que não merece – e quando a verdade é revelada, todos viram as costas ao personagem que há pouco tempo era endeusado por seus feitos – uma mostra que descartamos fácil nossos ídolos ou que os tais 15 minutos de fama pregados por Andy Warhol não são tão recentes quanto imaginamos. Só que a forma como a tradução foi montada nos diverte do começo ao fim – o tal pensamento crítico chega aos 45 minutos do segundo tempo, sem estragar aquele passeio cultural que a maioria prefere que seja do tipo “rir, mas não ficar muito pensativo”, ao mesmo tempo em que o expectador não sai como entrou, nem sente como se a humanidade não tivesse mais salvação. Tive a mesma sensação com “Um Circo de Rins e Fígados” do Gerald Tomas (surpresa! Ao contrário do que pregam as matérias sobre ele, entendi a peça!) no Sesc Vila Mariana – mas nesse caso há alternância de estocadas “como aceitamos coisas do tipo...” e “vamos rir pois ninguém é de ferro”.

A temporada dessa peça foi suspensa ontem para dar lugar à tradicional festa junina do Sesc Ipiranga – para os que não são da região, é ao lado do Museu do Ipiranga, que aliás, fica em frente ao Parque da Independência – depois de reformado pelo Banco Real, vale mais ainda uma visita dominical por ali. Mas O Prodígio do Mundo Ocidental volta no mês de julho – ao contrário da peça do Gerald, que já até tem história nova em cartaz. Não faço esse elogio todo só pela minha colega de cursinho que está no elenco – incrível como 11 anos sem se ver não afastam certos corações afins. Sou chata para peça sim, ainda mais para comédia, depois de ter visto os saudosos atores da TV Pirata em cena ao vivo. Só acredito que peça bacana precisa de empurrãozinho sempre – ainda mais quando é feita por atores que como diz outro artista baiano guerreiro, não aparecem em TV nem em propaganda de carnê do baú – por envolver trabalho hercúleo de sangue, suor e lágrimas. Só a arte salva!!