Desabafos de uma jornalista, aspirante a atriz, shiatsuterapeuta e professora de yoga...

sexta-feira, setembro 08, 2006

Primeiro filhote cênico de 2006, inspirado em Carta Anônima de Caio Fernando Abreu

Eu não devia, mas ainda quero você. Quando nos encontramos ainda não entendo seu afastamento e procuro em mim uma razão racional para uma paixão tão promissora ficar no ar. Me pergunto se estou mais chata, mais feia ou mais gorda. Depois meu racional me lembra que não há razões lógicas para gostar ou desgostar e então me tranqüilizo, ou tento e às vezes até consigo relaxar, exceto quando o coração me assalta, exigindo você e como uma mãe tentando apaziguar o filho rebelde, negocio, ofereço compensações, mas ele raramente aceita, pois é um mimado por natureza. Há dias em que tudo vai bem, pois o trabalho é muito e então agradeço, lembro da minha avó, a mente vazia é mesmo a oficina do diabo? Me parece tão cristão deixar o pensamento correr pra você, pras nossas lembranças, pra minha torcida de que aquilo tudo não tenha sido um sonho e eu tenha mais uma chance, uminha, de me entregar sem pé atrás, de chegar até você de peito aberto, de vomitar o que não consegui dizer e ainda me dói, de me esquecer no quente do seu abraço. É talvez a avó tenha razão pois neste ponto o pensamento não é muito cristão, então sinto as borboletas tomarem o poder do meu estômago, fico rindo até quase sentir cãibra no rosto, quando um calor que não sei como, nem quando e nem onde vai me fazendo esquecer o que deixa a vida cinza. Nos encontramos e você não é nem frio e nem tão apaixonante quanto já foi. Me pergunto o que é pior: abortar a paixonite ainda nos três meses iniciais, quando ela ainda é tão frágil quanto um feto ou deixar que aquilo que não é confiável, duradouro, mas uma pegadinha traiçoeira e irresistível da mente tome posse de nós mesmos, até perdermos completamente o controle da situação? Então sem ter muita noção do estrago desejo secretamente a segunda opção, ainda que ela soe impossível e arrasadora, só para ter a chance de beijar mais, abraçar mais, falar mais, sorver mais tudo isso, em grandes goles, até me engasgar e acreditar que isso tudo também pode ser destrutivo. Vejo um porta retratos com uma mulher entre suas coisas e não me reconheço pois vem à tona um misto de ciúme, inveja e admiração: quem é esta que merece lugar nobre entre suas coisas? Mas não ouso perguntar, sempre sinto entre nós este receio latente de que as palavras e atitudes podem por tudo a perder, se é que já não puseram. Volto querendo chorar por não me conformar com as reticências, por desejar um ponto final definitivo ou um abre aspas travessão... Desabafo com uma amiga de infância, que me conhece e o nó na garganta vai se dissolvendo aos poucos, tudo aquilo não parece tão consistente para tanto inconformismo e de repente nem me parece tão cativante assim, mas meu pensamento e sentimento grudam em você como um vício que é bom e é ruim, é inebriante mas é impiedoso, só que não consigo me livrar disso, talvez por uma esperança que me ronde, lembrando que tudo que já ficou no ar na minha vida acabou precisando de retorno pra fechar o ciclo de vez. Um pavor me assalta: e se este ciclo não fechar? E se ele me rondar para sempre? E se esta mistura de sonho e pesadelo virar um terror de vez, que me amarra e me impede de seguir adiante, com ou sem você? É enlouquecedoramente bom e ruim cultivar esta paixão teimosa por você, mas ainda assim meu sentimental põe o racional pra escanteio e não tenho a mais vaga idéia de quando vou tomar posse de mim mesma de novo. Por ter despertado o que já julgava morto em mim e por sentir falta disso durante tanto tempo, agora insisto em me enveredar por este emaranhado de sensações, mas devia voltar a trabalhar, devia me exercitar, devia estudar, devia fazer um hobby e até faço tudo isso, mas por razões que não ouso entender volta e meia sou levada para perto de você, como uma pena que não sabe onde pousa. Tento me trazer de volta, mas tem dia que a rédea é curta e a saudade muita. Pena que não posso mais pedir para a avó rezar para meu bom senso, auto-estima e pé no chão voltarem. Perder o senso de noção não é meu costume, mas de repente comecei a me deliciar nisso e agora estou com dificuldade de voltar ao meu centro. Onde é que ele foi parar? Você tem razão, não foi de sua responsabilidade me deixar assim, eu é que fiquei desse jeito, agora o sentimento todo não tem uma finalidade e é só para o meu próprio deleite, para me nutrir, para me deliciar secretamente, como quem descobriu uma pérola e agora quer guardar num lugar todo especial, secreto. Dizem que amor é a única coisa que quanto mais damos, mais temos, pena que a paixão não é assim, pena que ela só nos cegue e nos deixe mais perdidos que navio quando passa pela força inexplicável da natureza. Fico assim à deriva até sabe Deus quando, rezando pelo resgate, bote salva vidas ou seja lá o que for a me socorrer deste entorpecimento que escraviza mas também traz uma satisfação e esperança meio masoquistas de quem sabe que não foi sonho e que se ficou sem um the end claro, ainda precisa finalizar a história toda, já que tudo tem começo, meio e fim, mas vivemos na esperança de fugir deste último item. E volto a rir como criança com aquela alegria só minha, que ninguém pode levar embora, nem a sua indiferença, nem os sinais claros de que tudo deve ter terminado... Até eu mesma fora do meu racional sinto que isto tudo também terá um fim, mas me recuso a pensar nisso agora e tento relaxar, desencanar, pois não quero merecer de ti o rótulo de pessoa mais ansiosa que já conheceu. Perdoe a minha ânsia de viver e sorver tudo em grandes goles, sinto muito pelos atropelos e pelas lacunas, por deixar passar chances de conversas necessárias, mas não consegui lidar com o fato de que era bom demais para ser verdade e o medo de falar ou fazer algo que estragasse tudo me perseguia. Seria pedir demais para nos engraçarmos quando isso tudo passar? Já tive ciúmes de futibas, mas de livros e apostilas é a primeira vez. Quem sabe um dia eu te entenda? Espero e rezo para retomar o controle da situação. Enquanto isso me torturo e me deleito, mas depois respiro fundo, medito e reencontro a mezzo zen e mezzo descompensada que sempre fui. Pena que você só conheceu a mais afoita... O outro lado ainda está esperando, aparentemente a vida toda, pelo seu retorno, pelo cafuné, pelo toque, pelo cheiro, pelos dedos, pelos cabelos, pelo irresistível frio na barriga... A criança que vive em mim quer fugir disso tudo, chupar o dedo, tomar leite quente, chorar na cama que é lugar quente e depois tirar uma soneca, esquecer tudo. Você ainda será uma lembrança menos doída, eu sei.