As histórias anônimas que me tocam
Essas crônicas estréiam em homenagem às historinhas que conheci mas nunca pude comprovar se são verossímeis
Uma jornalista dessas que sonhou em fazer uma grande reportagem e ganhar um prêmio Esso foi parar numa assessoria de imprensa, por uma dessas ironias da vida que provam que Deus tem senso de humor negro. Mas estava disposta a vencer aquele preconceito, o ranço dos que sonhavam passar longe dessa modalidade de atuação profissional e se manter entre os boêmios, que cobriam de enchentes a eleições. Mal sabia ela que a maior parte da equipe das redações cola e copia – de releases ao material enviado pelas agências de notícias.
À primeira vista, o local não oferecia perigo. Sentou-se, leu um pouco de jornal, fez cara de conteúdo para fazer uma média, quando foi surpreendida pela diretora. Se mostrou cordial. Respirou aliviada. Após poucos minutos, outra funcionária chegou e começou a explicar o trabalho.
Num piscar de olhos a diretora que se revelou: começou a cobrar e pressionar parte da equipe. Seus gritos vieram à tona. A jornalista mezzo realista mezzo sonhadora considerou aquilo um acinte, mas pagou pra ver. A manhã alternou berros do lado de lá com expressões pouco convincentes de “faz de conta que não me importo” de seus colegas de trabalho.
Aquilo tudo começou a cutucar a gastrite de nossa heroína idealista e romântica. Sim, já tinha sido tratada aos trancos e barrancos nas redações, mas quando finalmente cedeu a vir para o lado de cá do balcão imaginou que se livraria desse stress cotidiano. Que o mundo corporativo fosse mais civilizado.
Lembrou-se da amiga que estudou com ela, trabalhava e fazia pós em marketing e jogou tudo para o alto para estudar TV em Londres, dizendo: “já trabalho com o que não sonhei, ainda vou me especializar nisso?” Como tinha razão a colega que afirmava que quem pode mais, se fode menos! Ainda não tinha filhos para sustentar! Deu um sorrisinho irônico, pegou sua bolsinha, saiu dizendo que ia almoçar e... nunca mais foi vista. Como empresas de comunicação e jornalismo não registram seus colaboradores em carteira e não podem portanto publicar anúncios de abandono de emprego, isso tornou-se uma lenda urbana, que termina a gosto do freguês. Parece que a heroína foi vista há pouco tempo, militando como ativista de uma ONG...